Quando eu era adolescente, ou quase chegando lá, eu li alguns dos romances Sabrina, Julia, Bianca e outros da mesma linha. E os pegava emprestado de colegas da escola. Os lia furtivamente, claro, pois minha mãe não permitia que eu os lesse, pois eles eram considerados impróprios, vulgares, proibidos para meninas mocinhas, inocentes. Nada mais eram do que historinhas de amor proibido, que sempre começava com uma mocinha inocente, que se apaixona perdidamente por um homem, sempre mais velho, rico, experiente e que de inicio não se entrega totalmente ao amor. Seguia com relações tórridas, com amassos e beijos quentes e terminava com a mocinha e o herói, depois de muitos desencontros, se declarando um ao outro e se entregando a um amor do tipo "e foram felizes para sempre". Esses romances estavam muito associadas a empregadas domésticas e trabalhadoras com menor nível de escolaridade. Não se esperava nada dessa literatura, se não a distração e um pouquinho de romance apimentado.
Há alguns meses atrás a trilogia "50 Tons de Cinza" chegou ao mercado editoral brasileiro. Eu já havia lido sobre o alvoroço que já vinha provocando no mundo inteiro, estando sempre na lista dos mais vendidos. Li também as diversas críticas negativas, de um lado, e positivas (para quem havia gostado muito da história), do outro. De feministas radicais, sociólogos, religiosos e defensores da moral e dos bons costumes vinham as mais severas críticas sobre a forma como o romance tratava a mulher. De início, não tive o menor interesse em ler, mas fiquei curiosa por causa das discussões que chegavam a todo instante, além da divulgação nas redes sociais.
Em uma promoção em um site de vendas, comprei o volume 1. Guardei em casa, pois estava lendo outra literatura; emprestei para uma amiga, que leu, não achou nada demais e me devolveu, e aí eu o guardei de novo. Meses depois, para aliviar um pouco a cabeça de leituras pesadas, resolvi pegar e começar a ler o tão debatido romance. De cara me lembrei dos romances de minha adolescência, claro, um pouco mais sofisticado, um pouco mais de história e bons motivos para ser um dos romances mais discutidos do ano. A mocinha era submetida a relações sado-masoquistas, e gostava!
Li o primeiro volume, confesso que pulando algumas páginas. Não estava disposta a comprar os outros volumes, mas queria saber como terminava a história picante da Srta. Steele e do Sr Grey. Como uma amiga tinha os três, esperei que ela os lesse e me emprestasse, assim li os outros. Na verdade, estou terminando o terceiro. Mas, desde o primeiro me questionei. Qual o problema do romance? Por que tanto alvoroço? Por que perseguir e acusar as leitoras de, mal gosto e pouca capacidade intelectual? Por que considerar machista o personagem que gosta de sexo selvagem, e por que acusar a mocinha, ou seria, jovem inocente, de se submeter aos caprichos do amante?
Conquistamos muitas coisas nos últimos séculos, conquistamos direitos que nossas mães nem ousavam pensar. Escolhemos casar ou não, escolhemos nossos maridos, escolhemos ter filhos ou não, trabalhamos, estudamos e lemos o que queremos, muitos outros direitos sociais e políticos. Mas, parece que também ficamos na obrigação de não querer e não aceitar nada daquilo que nossa avós e mães lutaram contra. Por isso, quando há uma mulher que quer casar, ter filhos e ficar em casa cuidando do marido, logo são acusadas de serem retrógradas. Quando conhecemos mulheres que gostam de homens que pagam a conta, que abrem a porta do carro e são gentis, logo as acusamos de "mulherzinhas", de forma pejorativa. São acusadas de não valorizarem as conquistas femininas.
E, eu acho que é justamente esse o "problema" da "mocinha" do livro. Ela é livre para ser o que quiser, gostar do que quiser, fazer o que quiser. Ela é independente, estuda, trabalha fora e sonha com um romance encantado. Como qualquer mulher. Mas, aí ela encontra um amante, que não é bem o princípe encantado que todas esperam. Ele é jovem, bonito e rico, mas é dominador e gosta de subjugar a companheira, gosta de sexo selvagem. E a mocinha, que se assusta num primeiro momento, descobre que ela também gosta. Mas, aí quem não gosta são os/as moralistas de plantão, que acham um pouco demais que mulheres aceitem ser submissas por vontade própria em pleno século XXI.
Mas há também, a arrogância dos intelectuais, que acham que ninguém deve gostar de livros de auto-ajuda, romances populares e biografias de famosos relâmpagos. Todos devem ser obrigados a ler, no mínimo Clarice Lispector, Jorge Amado e Machado de Assis.
Porque não gosto e não leio, não posso condenar quem o faz. Acredito que a leitura desses romances na minha adolescencia me ajudaram muito no meu desenvolvimento de ler e escrever. Era o que eu tinha no momento. Hoje, não os leio mais, mas não condeno quem os lê.
Conclusão? Muita tempestade em um copo d'água.