Fui instruída a abrir a caixa de Pandora das minhas
lembranças da infância e da adolescência.
De repente me dei conta de que eu havia me esquecido de grande parte do
que eu fui ou era nesses períodos. Não
porque já faça um tempo que esse período aconteceu, afinal tem gente que lembra
de coisas da infância como se fosse hoje. Mas, porque, por algum motivo ficou
tudo lá, em algum lugar da memória que não queria ser acessado novamente. No entanto, o nosso ser não é uma máquina, um
computador, onde tudo pode ser armazenado ou jogado na lixeira do esquecimento.
Somos feitos de presente e passado e, é esse passado, que inevitavelmente nos visitará
no futuro, quer lembremos dele ou não.
Pois bem, por algum motivo (ainda estou no processo de descobrir)
o período da minha infância ficou obscurecido (talvez esse período demore um
pouco mais para ser redescoberto), e o da minha adolescência estava lá, meio
nublada pelas muitas lembranças ruins e poucas boas. Pelo menos, era como eu me
sentia.
A adolescência por ser um período de transição, sempre é a mais
complicada para ser vivida. Você não é
mais criança, mas também não é ainda um adulto, está no limbo, na iminência de
ser salvo ou não por suas decisões para o futuro. Acabou a fase das brincadeiras sem consequências,
dos olhares furtivos para os coleguinhas, das brincadeiras da hora do recreio,
dos meses intermináveis de férias (para quem é filho/a único/a sabe o quanto
três meses de férias era tedioso). Ainda que não saibamos nem sequer o que somos,
temos que decidir o que seremos. Somados a isso, quando a convivência com os
colegas de escola não é das melhores, tudo fica mais difícil, e ainda somado a
isso, em plena adolescência você têm um problema de saúde que te incapacita de
viver muitas das emoções desse período (festas, viagens, paqueras, etc). Portanto, por que relembrar de momentos tão
ruins? Melhor deixar tudo lá, tudo guardadinho no arquivo nominado “esquecer”.
Mas, o futuro, seja o momento que for, nos cobra essas
lembranças, em algum momento o compartilhamento do nosso cérebro dá problema e
é preciso ir lá no arquivo das lembranças e abrir a pasta do “esquecer” e
tentar resgatar o que ainda vale e jogar na lixeira o que realmente não vale
mais guardar, para que o nosso “velho” e cansado cérebro volte a funcionar mais
leve.
E eu fui lá, meio tensa e meio preguiçosa, meio com medo,
meio saudosa, afinal já tem um bocado de tempo que essas coisas estão guardadas.
E qual não foi minha surpresa, eu achei coisas boas, muito boas. E parece que, já naquele tempo, eu sabia
perfeitamente o que devia ser guardado.
Nossa, e tinha muitas coisas boas guardadas, diários (quantas confissões que eu nem lembrava que tinha feito à um caderno), tinha tercinho, como recordação de primeira comunhão. É, eu fiz primeira comunhão! Tinha álbuns de figurinhas. Havia também muitos bilhetinhos confidentes de amigas que estavam enamoradas por algum coleguinha, bilhetes de felicitações por um bom futuro fora da escola. Cartas, muitas cartas, de pessoas muitas especiais e que a distancia física não nos afastou espiritualmente. Estão todos lá, Gil, Flavia, Renata, Ana Cristina, Melissa, Paula Cristina, Adriano, Chamon, Luciane e tantos outros que nem no nosso plano terreno já não estão.
Percebi, então, que eu guardei pessoas, colegas que hoje são amigos, outros que
ainda estão no meu convívio e guardo profundo carinho. Eu guardei lembranças,
que se foram esquecidas pelo meu cérebro tão ocupado pelas preocupações do
dia-a-dia, deixaram suas marcas escritas em folhas de papel, em fotos, em
mensagens que o tempo começa a apagar, mas que eu tive tempo ainda de reler, de
rever, de me transportar para um tempo distante, que teve momentos ruins, mas
que também teve momentos muitos bons, e que eu só tinha esquecido.