(Foto: internet/reprodução)
Passo em frente ao hospital do câncer (INCA) todos os dias na ida ao trabalho. Vejo sempre a dor e o sofrimento nos rostos das pessoas, sejam elas as doentes ou seus parentes. Ouço também comentários (de dentro do ônibus onde estou) que, junto aos meus próprios: "esse lugar é triste, quanto sofrimento!".
Sei bem o que é estar em um hospital, passar dias nele, já estive em vários quando criança, por causa da artrite. Mas, esse, em especial, nos causa uma sensação de "fim de linha", de "dias contados". Receber um diagnóstico de câncer é datar a morte, segundo alguns. Além do sofrimento causado pelo tratamento, é preciso lidar com a ideia de finitude da vida, coisa que o mais letrado e cético dos mortais ainda não sabe fazê-lo. E, talvez essa seja a nossa maior tragédia. Afinal, se fosse possível tratar ou curar todos os tipos de câncer e nos livrar do espectro da morte, estaríamos mais confiantes.
Mas, essa postagem não estaria aqui se não pudéssemos tirar alguma coisa boa, algum ensinamento disso tudo. A morte é inevitável e ela virá, mais cedo ou mais tarde. E ter conhecimento que ela está próxima é o que nos apavora. E, isso pode ser diferente?
Para muitos que sobreviveram ao tratamento, geralmente acontece uma mudança de vida. Aproveita-se melhor cada momento, dedica-se mais às coisas que realmente valem à pena. Muitos dos que não têm chance de cura, aproveitam para estar com entes queridos ou fazer o que mais gostam.
Há poucos meses um médico britânico disse que câncer é a "melhor morte", "você pode dizer adeus, refletir sobre a vida, deixar mensagens, visitar lugares especiais pela última vez, ouvir as músicas favoritas, ler poemas e se preparar, de acordo com suas crenças, para encontrar seu criador ou curtir o esquecimento eterno". Polêmicas à parte, é o que fizeram algumas pessoas com diagnóstico de câncer terminal.
Perdi há alguns anos atrás, o meu pastor (sou batista), líder carismático, inteligente, muito querido por nossa igreja. Foi diagnosticado com câncer terminal muito agressivo. Após inúmeros tratamentos (oficiais e em teste) a batalha foi perdida e sua vida reduzida a 3 meses (contrariando o prognóstico, viveu bem mais de um ano). Durante esse período aproveitou seu tempo com os amigos, com os irmãos em Cristo, com seus familiares, aconselhou seus filhos e despediu-se da esposa. Despediu-se de sua igreja, num dos cultos mais lindos que já fiz parte, cantou, chorou, sorriu, viveu, partiu.
Há um ano atrás também perdi uma das mais queridas e competentes fisioterapeutas que eu conheci. Após o diagnóstico de câncer no pulmão, bem agressivo, também fez tudo que pôde para vencê-lo. Enquanto se tratava dedicou-se a fazer tudo que não tivera tempo de fazer ainda. Viajou, fez um curso que sempre teve vontade de fazer, dedicou-se ao filho, à família e aos amigos; continuou firme em seu trabalho, dando cursos e incentivando os novos fisioterapeutas, o que mais gostava de fazer. Compartilhou sua história, viveu, despediu-se, partiu.
Em seu livro "Por Um Fio", o médico Drauzio Varella, mostra, através de diversos relatos de pacientes com câncer, como a perspectiva da morte pode revelar inesperados sentidos para a vida. Então, se é possível, por meio do sofrimento e da dor, tirar algum aprendizado, que este seja libertador, ou divisor de água, que dê mais sentido ao que estar por vir, sendo este imediato ou não. E, que a esperança, esta sim esteja sempre conosco.